A questão do aborto

Esta é uma questão que nos envolve a todos e que de todos exige alguma liberdade de espirito e noção ética.
Não é só uma questão de vida, o que é alheio para alguns, mas também de justiça, democracia e ciência que nos implicam a todos nós, mães, filhos e pais, numa questão, que fractura a nossa sociedade, e que muitos fundamentam em idealismos, exacerbando-os, convencendo-se a si próprios pela forma como o fazem e não pela força dos argumentos que utilizam.
Em primeiro lugar, não há valor superior á vida, e de facto, este principio vem contemplado na constituição.
Discutir o aborto com base noutras razões, implica ignorar a primeira de todas, que muitos justificam não ser válida, pois o início da vida é discutível, do seu ponto de vista. Nesse sentido, alguns consideram que o embrião não pode ser alvo de protecção jurídica pois não o consideram um organismo vivo. Ora bem, o principio que se impõe é o da vida e não o momento em que esta efectivamente existe, o dilema torna-se filosófico, cientifico, mas há que considerar o facto de toda a vida ter origem num embrião, portanto, um embrião não pode ser afastado do processo biológico que é a vida.
Um embrião assinala o seu início, ou então indícios de que está para ocorrer. Faz parte dela, e sem embrião a vida não existe.
É a Natureza que assim se processa, como o podemos ignorar!?
Proteger a vida, desprotegendo um embrião não faz sentido.
A atitude despenalizadora ou liberalizadora do aborto implica a disposição por completo da vida humana ou da futura vida humana aos interesses de uma mulher sem ter de justificar a ninguém as razões da sua decisão, ou seja, implica a desprotecção jurídica do embrião em função de uma mãe (que assim já se pode considerar) que se torna livre de optar pela facilidade deste acto perante as difíceis circunstâncias do seu dia a dia, ou mesmo que não sejam difíceis, até por capricho.
Esta atitude revela-se desresponsabilizadora de um acto que não deve primar pela leviandade mas que deve comprometer toda uma sociedade que comunga os mesmos valores.
A ética, nesta acesa discussão, por vezes é adulterada. Convém lembrar que a ética é o reflexo da nossa consciência assente em valores e princípios que merece o nosso respeito, e pela qual nos orientamos no sentido da melhor opção. Funciona como um manual de orientação no sentido da liberdade de consciência. “ A reflexão ética tem de estar presente no momento das nossas decisões” - Esta reflexão ética, exige uma fundamentação razoável para cada decisão, e claro que para a levar a cabo, é necessária a responsabilidade inerente a cada indivíduo implicado no processo.
Não é razoável optar pelo aborto por uma questão de preconceito porque a sociedade não aceita a gravidez, por uma questão económica porque será muito difícil criar sem meios uma criança ou até por uma questão de falha do método contraceptivo, quando todos nós sabemos que há essa possibilidade. Se tudo isto acontece naturalmente, e quando o Homem a isto tudo se sujeita, porquê voltar atrás!? Não será esta uma medida desresponsabilizadora? È óbvio que o contrário seria mais custoso. Assumir um filho que é nosso mas para o qual não temos condições, custa. Custa porque as temos de arranjar, custa porque exige responsabilidade. E como muitos carecem de responsabilidade pelos actos em que incorrem, a sua fundamentação também carece de ética.
Os direitos das mulheres, é o argumento por excelência daqueles que defendem o aborto. Defendem que as mulheres o fazem porque são obrigadas, por falta de condições, por falta de informação, etc. E por isso não devem ter impedimentos nesse sentido, pois isso “obriga-as” a recorrer ao aborto na clandestinidade, correndo até risco de vida e ainda se sujeitam aos processos crime que a lei exige de acordo com a legislação do código penal.
A despenalização do aborto, vem resolver esta questão. O aborto passa a ser permitido nas primeiras dez semanas, acabam-se as perseguições, os processos-crime e, depois de bem entranhado, o aborto deixa de estranhar como último recurso a uma gravidez não desejada.
Na minha opinião, esta é a medida mais fácil, o que não a inviabiliza, até seria de louvar tamanha facilidade. O problema é que não é ética.
A vida passa a ser um problema porque gera necessidades que não devem ser resolvidas com a morte, nem com o impedimento do normal decorrer do seu processo.
A política do “Não” acarreta custos mais elevados a curto prazo, na medida em que deve atender a estas necessidades, inclusive á questão da prevenção e do aconselhamento. Esta é a medida mais difícil de tomar, que mais exige de todos nós mas é a que deve ser tomada.
Outro aspecto que pretendo realçar é o facto de se discutir esta questão com base em números e em tendências, o que não tem qualquer fundamento. Esta, é uma questão que não se pode associar a um exercício de escolha limitado aos recursos disponíveis.
Este assunto exige mais do que equações matemáticas, políticas económicas e de saúde ou de comparações inadequadas com outros países, exige a consciencialização de princípios e valores que não podemos descurar em função de preconceitos e facilitismos que procuramos fundamentar com dados e estimativas que não devem justificar qualquer opinião, pela razão de que os números reflectem as realidades ou as suas tendências e não podem justificar, apesar do seu carácter positivo ou negativo, o alhear de valores e princípios que se devem impor.
A vida deve existir por direito e por principio, e não por mero acaso de circunstâncias favoráveis.

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